segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A mudança começa pelo ‘eu’




Ela deixou de ser tão pessimista. É uma pessoa mais alegre. Agora consegue sempre ver coisas positivas mesmo em acontecimentos mais tristes". À porta do Pavilhão Atlântico, minutos antes de começar o espectáculo ‘Trata a Vida Por-Tu-Gal’, Miguel explica o que mudou na vida da sua mulher, Sílvia, de 33 anos, desde que esta participou num workshop de Daniel Sá Nogueira, guru português da auto-ajuda. "Trouxe-o ao espectáculo para que ele perceba o que o Daniel faz", explica Sílvia, vendedora de uma imobiliária. De cachecóis de Portugal ao pescoço – um pedido de Daniel ao fãs -, o casal de Caneças entra entusiasmado no Pavilhão. O maior espectáculo de auto-ajuda alguma vez feito em Portugal por um português está prestes a começar.


Já passam 40 minutos da hora marcada quando as luzes do Pavilhão Atlântico desvanecem. Os três ecrãs gigantes do palco dão as instruções em forma de legendas brancas em fundo negro. Pedem-se palmas, assobios e batidelas de pé no chão e os cerca de seis mil espectadores – eram esperados 10 mil – acedem. Está dado o mote para as próximas quatro horas. A ordem é a diversão e todos cumprem.

O ASTRONAUTA

Um vídeo apresenta Daniel Sá Nogueira como o primeiro astronauta português. Vê-se o formador pessoal (mais tarde ele dirá que gostaria de ser tratado como o "futuro prémio Nobel da Paz") a partir para a Lua num foguetão espacial. Quando o vídeo mostra a chegada de Daniel ao satélite natural da Terra, este aparece no Pavilhão de carne e osso. Vestido de astronauta, desce do tecto do Pavilhão Atlântico e aterra no meio da plateia. Ainda não disse uma palavra e o auditório já está em delírio.

Em palco, Daniel fala com a Lua (tem voz feminina e tudo) que lhe dá duas tábuas com dez mandamentos. O resto do espectáculo consiste em que este moderno Moisés explique a todos os presentes esses dez princípios. "Porque para mudar o mundo temos de nos mudar a nós próprios primeiro", explica.

"PORTUGAL É BRUTAL"

Durante o espectáculo Daniel canta, dança, representa, faz de DJ. É seguro dizer que não brilha em nenhuma destas áreas, mas é indesmentível o entusiasmo da plateia. Nos intervalos dos vários números musicais e teatrais, que contam com dezenas de artistas, Daniel fala, grita, exorta a multidão a celebrar, a meditar, a fechar os olhos. Num país sempre pronto a dizer mal de si mesmo, este homem de 33 anos, nascido na África do Sul e que aprendeu português aos 15 anos, diz que "Portugal é brutal". Porque é "lindíssimo", porque "vive em paz", porque somos "hospitaleiros e criativos".

Às vezes parece que estamos num comício político, outras numa missa de campo. Amigos e desconhecidos partilham gritos, cumprimentos efusivos e cantoria, muita cantoria, com um vasto cardápio musical que vai desde Xutos & Pontapés a Michael Jackson, passando, é claro, pelo fado, "que mostra o que há de mais genuíno no sentimento português", diz Daniel Sá Nogueira.

Com o adiantar da hora há quem se canse. No final do espectáculo, quase à meia-noite, cerca de um terço da audiência já tinha saído. "Saímos mais cedo porque temos fome e vamos jantar. Mas gostámos muito do espectáculo, saímos com um espírito muito positivo", conta Rogério, que veio de Alverca com a mulher. Entre a assistência há gente de todo o País, ilhas incluídas, e até se fizeram excursões de autocarro. Empresas como a Remax ou a Herbalife distribuíram por funcionários e colaboradores dezenas de convites, ou não fosse Daniel um formador habitual nas acções que promovem.

"Ele mudou completamente a maneira como eu encaro o meu trabalho e a minha vida", comenta no final do espectáculo Maria de Lurdes, de 44 anos e vendedora da Remax. Já conhecia Daniel de uma acção de formação sobre vendas que este orientou e saiu do Pavilhão Atlântico ainda mais admiradora do seu trabalho: "Ele tem qualquer coisa de especial. Chega ao coração das pessoas".

OBJECTIVO 100 MIL LIVROS

Dois dias depois do espectáculo, Daniel Sá Nogueira diz-se um homem feliz. "Era um sonho e consegui realizá-lo". O guru – "adoro que me chamem assim" – acaba de lançar o seu primeiro livro. ‘Trata a Vida por Tu’ é, mais do que um livro de auto-ajuda, um verdadeiro curso. "Só deve ler o livro quem estiver realmente interessado em fazer qualquer coisa para mudar", diz o autor. Daniel recebeu formações em várias partes do Mundo e começou ele próprio a orientar workshops há mais de dez anos. Especializou-se na área do desenvolvimento pessoal e faz acções para empresas ou grupos particulares.

Usa sempre ténis de cores diferentes "para nunca esquecer que há sempre duas maneiras de reagir a um problema, ou pensamos positivo ou descarregamos a nossa raiva". O livro está em segundo lugar do top de vendas da Fnac. A primeira edição é de 7 mil exemplares, mas Daniel diz que o seu objectivo é chegar aos 100 mil exemplares vendidos. Usa o método ROSA, que inclui quatro conceitos: Realidade (saber onde estou); Objectivos (onde quero ir); Soluções (como lá chegar) e Acção (partir, mudar, fazer por isso).

O autor admite que grande parte do que escreve "são coisas que as pessoas já sabem", mas o que o move é "fazer as pessoas agir". Isto porque, diz Daniel, "os sonhos são importantes mas não chegam. O trabalho é o que faz as coisas andar e quero motivar as pessoas a agir para mudarem as suas vidas".

PROGRAMAR A MENTE

Uma das referências de Daniel Sá Nogueira é Adelino Cunha. Formado em Matemáticas Aplicadas e Informática pela Universidade do Porto, foi professor universitário durante 10 anos. Em 2002 passou a dedicar-se a tempo inteiro à formação pessoal e fundou a empresa I Have The Power (Eu Tenho o Poder, numa tradução literal), sediada em Gaia. Em 2008 foi o responsável pela vinda a Portugal de Bob Proctor, que participou no projecto do livro ‘O Segredo’, de Rhonda Byrne, – um dos livros de auto-ajuda mais vendidos em todo o Mundo. Adelino Cunha e Bob Proctor levaram 7 mil pessoas ao Pavilhão Atlântico para ouvi-los falar de como cada um pode ajudar-se a si próprio a ser mais feliz e mais bem sucedido.

"O meu interesse por esta área começou quando li o livro ‘Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas’ [publicado em 1937 por Dale Carnegie]. Li muito sobre esta área e depois especializei-me em programação neurolinguística (PNL), que é uma ferramenta muito poderosa". A PNL é uma técnica de-senvolvida por dois especialistas americanos como ferramenta de aumento da consciência de si próprio e de motivação. "É possível, por exemplo, curar uma fobia em apenas 15 minutos", diz Adelino.

500 MIL EUROS

Em 2000, Adelino Cunha fundou a sua empresa de formação e passou a dedicar-se a ela a tempo inteiro. Com resultados à vista: "No ano passado facturámos 250 mil euros, este ano temos como objectivo chegar aos 500 mil", conta Adelino, de 47 anos. Com cursos que podem durar entre duas horas e sete dias e preços que vão dos 20€ aos 2400€, Adelino diz que o negócio da I Have The Power "tem crescido muito" nos últimos anos.

Autor de três livros de auto-ajuda, dois dos quais editados por ele próprio, não teme a concorrência. "Como em todas as áreas, há gente séria e gente menos séria, mas, tal como acontece com os grupos de rock, os que ficam são os que têm qualidade e eu não tenho dúvidas acerca da qualidade do que fazemos".

Nas livrarias portuguesas o espaço ocupado pelos livros de auto-ajuda é cada vez maior. José Prata, editor da Lua de Papel, especializada na área, diz que as vendas "têm registado um enorme crescimento, embora esse crescimento seja alavancado por um único título: ‘O Segredo’, de Rhonda Byrne, lançado em Junho de 2007". Com vendas de 450 mil exemplares (foi o mais vendido em 2007 e 2008) é de longe o mais bem sucedido.

"Todos os outros títulos que saíram entretanto, nossos e de editoras concorrentes, andaram no máximo na casa dos 30 mil exemplares", diz José Prata. Se tomarmos em conta que os títulos mais vendidos no ano passado foram ‘Fúria Divina’, de José Rodrigues dos Santos, e ‘O Símbolo Perdido’, de Dan Brown, – venderam cerca de 170 mil cópias cada – percebe-se a importância da auto-ajuda.

PRECONCEITO ESQUECIDO

Joana Neves, da Pergaminho, lembra as reticências iniciais à publicação deste tipo de livros. "Mas o interesse dos leitores sobrepôs-se a estas hesitações e os livros começaram a ganhar cada vez mais destaque. Não há dúvida de que os temas de auto-ajuda se tornaram muito mais mainstream nos últimos anos". Alexandra Solnado, que diz que os seus livros são ditados por Jesus Cristo, é um nome incontornável: "Esta autora já vendeu mais de 200 mil exemplares de toda a sua obra", explica Joana Neves. O crescimento brutal da oferta destes livros fez desacelerar as vendas. Como explica Maria Antónia Vasconcelos, editora da Estrela Polar: "Os leitores tornaram-se mais exigentes, o que fez com que as vendas tenham estagnado um pouco nos últimos anos".

A editora destaca ‘Pegadas na Areia’, de Margaret Fishback, como o livro mais bem sucedido do seu catálogo e reconhece as dificuldades de escolha entre as centenas de títulos disponíveis: "Os bons autores não são necessariamente os que mais vendem. Devem ter sólida formação académica, clareza de linguagem, capacidade de ajudar os leitores, com métodos realistas e simples, a corrigir os maus hábitos ou padrões de comportamento e motivá-los a procurar ajuda clínica para problemas mais sérios".

Este último aspecto é o que mais preocupa o psicólogo Luís Reto, professor no ISCTE. "Na nossa sociedade a maior parte das pessoas está sozinha, e estes livros podem ser uma ajuda. Mas podem criar-se falsas esperanças e acreditar que tudo se pode resolver por se pensar positivo", diz o psicólogo, que alerta também para a falta de rigor científico de muitos destes livros. "Grande parte deles são feitos só para vender e não ajudam grande coisa". Também o psicanalista Coimbra de Matos é céptico em relação aos livros de auto-ajuda. "Os leitores podem convencer--se de que resolvem todos os problemas e desistirem de procurar uma ajuda clínica que seria indispensável". Mas admite que "há livros que podem ser interessantes", até porque já escreveu prefácios para alguns títulos da editora Climepsi.

O psicólogo Vasco Gaspar, de 31 anos, largou um emprego estável numa empresa de formação em 2009. Quer fazer da formação pessoal a sua principal actividade e criou um manual, a que chamou ‘Zorbhudda’. "É uma ideia de Osho – outro autor de culto neste meio – que explica que a vida deve ser vivida com a intensidade de ‘Zorba, o Grego’, mas também com a sabedoria de Budhha", explica. O livro, disponível gratuitamente na internet, "é uma espécie de diário, em que a pessoa regista o que lhe aconteceu de diferente e se esforça por ter ideias positivas".

REUNIR CONHECIMENTOS

Vasco Gaspar usa conhecimentos "não só da psicologia mas também das diversas leituras que fiz em várias áreas". Admite que não tem "qualquer fórmula mágica" para resolver os problemas, mas aponta uma falha comum: "É raro as pessoas pararem para pensar na sua vida, naquilo que fizeram e gostariam de fazer. O que proponho é um método que as ajuda a fazer uma auto-reflexão".

Esse é também um dos objectivos de Pedro Queiroga Carrilho, autor de ‘O Seu Primeiro Milhão’ – que já vendeu 20 mil cópias – e de outros dois livros sobre finanças pessoais. Pioneiro na escrita sobre aconselhamento financeiro para particulares e famílias em Portugal, este engenheiro informático de 27 anos explica que "há uma grande falta de cultura económica entre os portugueses". Fundou a empresa Kash, que dá cursos de formação que ensinam as pessoas a poupar, a controlar as despesas pessoais e a investir. "Em Portugal as pessoas têm um rendimento reduzido para o custo de vida que temos. Uma das ideias que transmito é diversificar as fontes de rendimento. E isto não quer dizer que tenham de trabalhar mais, mas devem procurar outras formas de ganhar dinheiro, incluindo o investimento".

Pedro Carrilho conta que ao princípio estranhou a designação de auto-ajuda para os seus livros, mas hoje assume-a sem complexos: "Escrevo para ajudar as pessoas a melhorar a sua vida e isso passa muito pela motivação".

Fonte: CM Jornal



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